AMOR & ÓDIO
Sentia aquela mão macia acariciando meu rosto, nenhum ruído
existia além da respiração da dona dos carinhos.
Apreciava tudo como um gato manhoso que recebe mimos de sua dona,
gostava de sentir o toque daquela mão ao meu rosto gélido
e monstruoso, o calor do sangue daquela mulher me enlouquecia, o
cheiro do seu perfume não me irritava como acontecia com os
outros perfumes mortais. Eu queria controlar meus instintos, sentia
que deveria controlá-los, não poderia deixar o monstro
que existe em mim escapar ao meu controle e acabar com aquele lindo
momento de pura emoção, queria que tudo o que acontecia
ali durasse para sempre... Ah, como aquilo era estranho para mim, a
sensação daquele toque, a sensação que os
mortais chamam de paixão, e que faz parecer que tudo esta
perfeito. Eu já sentira isso uma vez quando ainda era mortal,
sabia o que significava, mas sequer imaginava que em meu estado atual
pudesse sentir aquela emoção novamente, eu Conde
Demarcus Voyron apaixonado por uma simples mortal? Ó quão
ingratas foram para mim aquelas noites. Eu odiava e amava tudo
aquilo, como pude deixá-la viver tanto tempo a ponto de vencer
a morte e seduzir a um Vampiro como eu? Como pude deixar o feitiço
da sedução cair sobre mim? Eu, é que deveria
tê-la seduzido para depois matá-la e alimentar-me de seu
delicioso sangue, e agora era ela quem me dominava... oh, como pude
ser tão tolo e deixar que isso acontecesse? Essas perguntas
não saiam da minha cabeça, eu não exercia
qualquer controle sobre minhas emoções, tudo o que
acontecia era para ela e com ela, direta ou indiretamente. Não
sei o motivo, mas pressentia que aquilo não poderia acabar
bem. Sabia eu que sempre, sempre o amor vinha com seu temível
parceiro, o ódio.
O amor e o ódio são sentimentos opostos que seguem
juntos o mesmo caminho, este, o ódio destrói o que o
amor construiu e mantém o equilíbrio eterno." Era
o que dizia meu senhor quando eu proferia a palavra amor para algo.
Mas, meu instinto e minha vivência pressentiam o perigo, sabia
que mais cedo ou mais tarde algo iria acontecer.
Como uma profecia que se realiza, tudo acabou tragicamente. Claro que
desde seu nascimento como Vampiro, tudo será mais trágico
do que o trágico comum que os humanos julgam conhecer, tudo na
"vida" ou morte de um Vampiro gira em torno da tragédia,
desde sua criação, nada será felicidade apenas
tragédias.
Deixe-me narrar-lhes o que aconteceu com a dona
de meus carinhos:
"Certa noite, logo após levantar-me revolvi caminhar pela
casa para pensar em meus problemas. Ah, que problemas, nada mais eram
do que aquelas perguntas imbecis que fazem os apaixonados, aquelas
que citei logo acima também tomavam conta de minha cabeça.
Pensando apenas naquelas carícias que tanto me satisfaziam
junto com as duvidas resolvi sair a minha caçada primeiro e
depois iria visitar aquela mulher. Meus pensamentos corrias
soltos, novamente iríamos ficar juntos por horas a fio,
conversando, sentido a presença um do outro, sentindo o toque
e nada mais , digo isso como se não houvesse muito
importância, mas aquilo naquele momento era tudo para
mim.
Mas as coisas não aconteceram como eu havia planejado. Logo
após minha saída encontrei uma linda donzela a caminhar
pelas ruas da cidade. Esperei o momento exato e ataquei. Próximo
a um beco eu fiz a donzela mais uma vítima de minha sede,
tentei não atrair atenção, mas algo terrível
aconteceu, minha atenção debilitada graças aos
meus pensamentos e minha presa, trouxe-me alguns problemas. Enquanto
eu me deliciava com o sangue daquela bela, um maldito homenzinho
atacou-me pelas costas, tão terrível fora a dor que
senti que cai junto com a garota ao chão, mesmo imóvel
e apenas me defendendo, aquele maldito homenzinho continuou a me
atacar sem trégua com estacas de madeira, devo ressaltar a
todos que não sabem, que as estacas não nos matam,
apenas nos deixam em um estado de torpor, mas continuando... olhando
e defendendo-me do jeito que podia, visualizei o infeliz do mortal,
lembrei-me daquele velho homem grisalho e já encurvado pelo
tempo, era um caçador de Vampiros que me perturbava a décadas
desde que neguei-lhe o dom do sangue. O ódio daquele humano
contra a minha pessoa era terrível , eu sabia que ele seria
capaz de tudo para deixar-me sofrer e depois matar-me, mas eu estava
indefeso. Fui pego desprevenido e continuava a receber estacadas,
mesmo estando muito ferido. Eu já estava quase perdendo os
sentidos quando o maldito parou, ele abriu uma sacola que estava com
ele, eu ainda estava atordoado demais para revidar, mas focalizei a
sacola e percebi seu volume, tudo o que deu para perceber fora a cor
verde daquela sacola, no mesmo instante em que me estiquei para
melhor enxergar, senti outra estaca perfurar meu peito e fincar o meu
coração, entrei em torpor profundo e fiquei a mercê
do caçador.
Acordei todo dolorido e completamente amarrado, estava completamente
algemado e cercado por cordas, minhas forças não
estavam recuperadas e eu não conseguia me libertar por mais
que me esforçasse. Desisti de tentar escapar por aqueles meios
pois não estava obtendo muito resultado e conseguira ficar
mais dolorido. Então olhei para os lados, era uma sala escura,
sem móveis, apenas a cama de ferro em que eu estava amarrado
existia naquela sala, não sabia que horas poderiam ser, se era
dia ou noite, eu havia ficado muito tempo adormecido e não
sabia o que havia ocorrido durante aquele período.
Não resistindo as dores adormeci novamente. Uma luz muito
forte invadiu o quarto de repente e me acordou, senti a presença
de alguém na sala mas não enxergava e nem deduzia quem
era, pois como disse meus sentidos e minhas forças estavam
debilitadas, a luz feria minha visão não conseguia
destinguir que era. Então senti aquele toque suave, aquela mão
em meu rosto e o cheiro daquele sangue, todas as recordações
fluíram em um turbilhão de ódio que começou
a formigar dentro de mim. Ali me dei conta do papelão que eu
estava fazendo ou havia feito, caí como um patinho naquela
armadilha sinistra. A descoberta, a dedução e as
lembranças elevaram minha fúria e alimentaram meu ódio,
descontrolado arrumei forças que não sei de onde
vieram, nunca imaginei que tivesse aquele poder que fluía e
escapava de meu controle, me libertei das algemas e das cordas e
minha fera se libertou de mim. Ataquei, ataquei com todo meu ódio
aquela mulher, a dona daqueles carinhos que eu tanto amava, e agora
eu tanto odiava. O ódio estava em minhas mãos,
misturando-se ao sangue daquela mulher corria também minhas
lágrimas, o desgraçado do velho caçador que
perseguiu a vida toda entrou na sala pronto para lutar, coitado, não
sabia que eu estava fora de controle, enfurecido? Porque não
fugiu? Mas naquele momento eu não pensava, a fúria
dominava-me por completo, e eu o ataquei, lembro-me só de sua
última frase antes de morrer, ele gritara: "MALDITO SER
DAS TREVAS, QUEIME NO INFERNO, O QUE FEZ COM MINHA FILH... O
tempo não foi suficiente para ele acabar a pronuncia da frase,
eu o decapitei com um soco enfurecido.
O sangue tomava o chão, misturava-se com a poeira e com os
corpos jaziam um próximo ao outro, o sangue deles também
misturava-se com minhas lágrimas de tristeza e sentimento, ter
perdido minha adorada daquela maneira e descobrir de onde vinha todo
o seu "amor", como me feriu o coração aquilo.
Sai dali desesperado, sem saber o que fazer, sabia apenas que devia
sair dali. Minha vida estava sem sentido, guiada apenas sorte.
Era noite quando abri a porta e saí da casa, não olhei
para trás, nada fiz só queria sair dali o mais rápido
que podia, e saí, corria pela rua... ataquei alguns mortais
que encontrei pois precisava me alimentar e acabar com aquela dor,
aquele vazio no peito que sentia, não me preocupei com os
corpos, deixei-os em qualquer lugar, minha mente estava em delírio
constante e eu não raciocinava... qual o motivo de tamanha
traição? O que foi que fiz para merecer isso? Jamais
poderei ser feliz? Eram os pensamentos que me dominavam junto com as
cenas que haviam acontecido. Matei desenfreadamente aquela noite,
levava a morte comigo era a única companheira que eu tinha
comigo além de meus delírios, ela estava em minhas
mãos, em minha mente, em minhas lembranças, apenas a
morte me controlava naqueles instantes e eu realizava seu desejo,
matava sem medo nem preocupações, apenas
matava.
Meus queridos, lembro-me, fiquei naquele estado deprimente durante
algumas décadas, decai muito, tornei-me um Vampiro andarilho e
maligno, mas me recuperei sem seqüelas além das
lembranças . Lembro-me ou melhor, faço-me lembrar
apenas da presença daquelas mãos em meu rosto, daqueles
carinhos e a diferença daquela época para esta é
que hoje também sinto a solidão. É essa solidão
que me faz recordar de tudo, sofrer novamente com essas lembranças
e com outras, mas é o que sinto. Sei que jamais poderei
recuperar-me completamente daquela época, pois as lembranças
são as que mais me atormentam mesmo sendo contidas, essas tais
recordações... gostaria de consertar ou arrumar tais
desavenças que aconteceram, avisar-me para ter mais cuidado e
não sofrer tanto, mas de nada adiantaria, eu apenas adiaria
esses conhecimentos e eles viriam mais tarde, sei hoje que o amor
atrai o ódio e vice-versa, que tudo tem seu lado bom e seu
lado ruim, e infelizmente esse lado ruim sempre está a
espreita. Tudo não passou de um sonho maligno, é como
gosto de recordar, apenas como um sonho, um sonho como a " vida
" de um imortal. Meus queridos, eu fico a me perguntar, o que
poderia acontecer entre um vampiro e uma mortal? Não sei,
apenas reconheço que é uma pergunta que me tormenta,
busco essa resposta, como outras, busco a sabedoria mas temo a todas,
acho que irei descobri-las todas apenas na hora de minha morte.