DESEJO
A
noite estava fria, uma garoa fina caía sobre a cidade coberta
por um nevoeiro fraco porém visível. Eu caminhava sem
destino dentro da noite, andava, não pensava em nada, apenas
caminhava. Olhava a rua com pouco movimento, alguns carros cruzavam
as avenidas a minha frente, mendigos e bêbados andavam pelas
calçadas, nada merecia minha atenção naquele
momento. Sentia-me só aquela noite, queria que aquela sensação
de tristeza que me dominava se extinguisse, queria sorrir novamente
como sorrira quando estava a conversar ou mesmo a caçar com
meu mestre, queria sentir aquela sensação que os
mortais sentem quando estão junto de pessoas que amam, queria
o contato, o calor da amizade ou mesmo de um amor que hoje não
existe, queria alguém comigo, apenas uma companhia, nada mais.
Aquela solidão me maltratava diariamente, corroía minha
mente com sensações e lembranças, era perigoso
para mim e para quem me rodeava, eu sabia disso, mas não podia
controlar aquela emoção, sentia um nó no peito
(sensação ainda mortal, mas o que fazer?) era a solidão
que me amargurava. Era a saudade que me fazia companhia. Estava
solitário a muito tempo, desde que meu senhor partiu para
entregar sua alma a Caim, eu mudara meus hábitos, estava
sozinho e amargurado. Havia vingado a morte de meu senhor, mas agora
estava sem destino, apenas caminhando por entre as ruas junto com
minhas lembranças e minhas saudades.
Algumas lembranças
vinham-me a mente e lágrimas de sangue rolavam por meu rosto,
as lembranças me amarguravam, me feriam profundamente, aquilo
era terrível, não o desejo para ninguém. Nem o
mais perverso ser que possa existir é merecedor de tamanha
dor. Ah, aquele passado que me acompanhava, como gostaria de vivê-lo
novamente. Fico pensando qual seria o meu desejo se me fosse
concedido um. Julgo que seria um desejo diferente, não
qualquer desejo, mas algo que sei que é impossível.
Impossível de realizar-se. Tudo o que desejava não
poderia mais voltar, jamais, pelo menos não idêntico ao
que era, pois faltavam coisas, pessoas, itens importantes que já
deixaram de existir. Meu desejo senhores, seria impossível. Eu
desejava a volta do passado, é, a volta do passado, consertar
o que hoje não tem conserto, fazer existir o que hoje é
inexistente. Curar os machucados que ainda não cicatrizaram e
sangram me trazendo muito dor. Gostaria de reconstruir o passado,
ganhar o que foi perdido e sorrir ao invés de hoje chorar por
me lembrar desse passado.
Sinto muito meus amigos, mas não
tenho como continuar a narrar-lhes esta história, as lágrimas
rolam novamente por meu rosto e consigo trazem as lembranças
que gostaria de descrever-lhes, mas ainda é impossível.