PERDAS
Perda, dor, alegria, medo, conforto, segurança e desolação, era tudo o que se sentia, até o momento que a luz chegou. A luz mostrava um mundo distorcido, porém semelhante ao mundo conhecido , onde seres assustadores faziam ruídos estranhos, e assustadores, tão assustadores quanto sua própria presença.
O medo toma seu coração, o desespero impede qualquer tentativa de controle sobre seus atos; é quando a película é cortada.
A primeira visão é a de um vulto segurando o que parece ser uma foice, sem a película obstruindo sua visão as coisas parecem mais compreensíveis, apesar de tão obscuras quanto antes, não é o mesmo lugar onde estava, é um lugar muito parecido, porém, mais escuro e envelhecido. Onde não se reconhece ninguém, apesar de haver muitos lá. Esses que lá estão, aparentemente, são os mesmos seres assustadores de momentos atrás, apesar de parecerem bem menos perigosos sem a distorção da película, na verdade são de dar pena, assustados e acorrentados, parecem saber qual será seu destino e não parecem gostar. Olhando melhor para o vulto com a foice, nota-se que ele não é parecido com os outros, talvez em sua essência mas parece que sua posição é mais confortável que a dos acorrentados, ignorando o desespero que se vê no fundo de seus olhos pode até se dizer que ele parece feliz, talvez feliz por acorrentar, e não ser acorrentado.
Sendo conduzido por correntes à inúmeros lugares, depois de um tempo vendo outros serem ceifados, agora entende-se a aflição que era vista nos olhos dos primeiros pobres acorrentados, aflição essa que se nota crescer dentro de você. Após varias semanas viajando por túneis escuros e cidades mortas, chegamos a uma praia em algo que parecia um rio, nessa praia era possível ver outros comboios trazendo outras pobres almas como nós, nosso destino era uma barcaça feita de algum tipo de madeira semelhante ao vime.
O ceifador, nos deixou com o condutor do barco e sumiu entre a vegetação do leito do rio, o condutor do barco parecia mais amigável, nossa viagem com ele não durou muito, descemos algumas horas pelo rio e logo descemos. Nossa nova parada parecia ser na margem do rio, porém do outro lado, onde éramos esperados por um outro ser, seu nome era Nereh.
Nereh, era um mercador de escravos segundo ele, e disse que nosso destino provável era a fornalha , ele fez questão de nos colocar a par de nossa situação; claro que ele omitiu muito de nós. Ele nos conduzia por uma estrada escura que ia na mesma direção que o rio, em uma curva da estrada Nereh foi abordado por um grupo que lutou com ele, e o venceu. O grupo nos libertou a todos, e nos conduziram com segurança o resto do caminho, conversando com um dos integrantes do grupo descobri que a estrada levava para Estígia, a capital do mundo dos mortos, e também descobri que todos aqui eram nada mais nada menos que espíritos tentando "transcender" como disse meu libertador. A viagem não demorou, e assim que avistávamos Estígia o grupo que nos libertou sumiu, sem sequer permitir o agradecimento tão merecido.
Estígia, logo que chegamos, não se via mais que uma grande muralha, no que quase chegava a ser uma ilha, ao passarmos pelo portão, começa a se notar a grandeza que um dia essa terra teve, tudo tão grandioso e ao mesmo tempo decaído, enormes construções no estilo romano, misturando o corinto e o jônico, com uma harmonia perturbadora, contrastando com construções mais puxadas para o gótico e barroco. Nas ruas se via todos os tipos de almas, desde almas como nós a almas com belas e assustadoras armaduras feitas de um metal escuro cujo o toque causava calafrios, a cada esquina nosso pequeno grupo ia diminuindo, chegamos a um lugar aberto que parecia uma grande feira aberta, em meio à aquela multidão me senti só, e pela primeira vez desde minha morte me lembrei de minha filha, Hellena, não bastando a solidão, senti o chão fugir de meus pés, entrando em um transe causado pelo desespero e terror do que havia se passado comigo, e que eu só tomei consciência agora.
Perdido, paralisado em meio a uma turba de almas desconhecidas, e em um lugar aterrorizante, sozinho onde querem roubar minha liberdade.