SENHOR DA MORTE


Estou sozinho, e isso já faz algum tempo, anos, talvez décadas, não sei. Saio costumeiramente para me alimentar, mas antes de possuir meu precioso troféu e alimento, tento conversar, só conversar com as vítimas futuras de minha sede. Tento fazê-las entender, tento me entender, me inteirar na sua vida mas, se ao menos falassem comigo... Mas não, mostram aquela terrível expressão de medo estampado em seus rostos, seus olhos opacos, seus corpos trêmulos, desfiguram-se de pavor, não é possível existir vida em seres nesse estado, acho que lhes pouparia a vida se pelo menos olhassem para mim com dignidade, olhassem em meus olhos e dissessem quem sou e que não têm medo de mim, na verdade eu me apaixonaria se aquela expressão que tanto me angustia, me consome não estivesse presente; entretanto isso nunca aconteceu. Então eu os mato, tiro-lhes a vida sem piedade por que não tiveram piedade para comigo, bebo o sangue sem nenhuma dor na consciência e o mais rápido me que for possível na circunstância para que nenhuma imagem possa vir me atormentar, pois só seus corpos sendo destroçados por minha força já me apavora.

Todos os imortais hão de concordar comigo que se você deseja a vítima, se você possui algum sentimento com ela, você deve apreciar o seu sangue, a textura macia e saborosa, adocicada como um néctar dos deuses, e é o néctar da vida, você bebe devagar quando ama a sua fonte, bebe da mesma forma como um mortal faria com seu vinho de uma bela safra, mas, se tratando daqueles que nos expurgam de suas mentes como se fossemos algo abominável, nada pode ser e o é tão terrível, estes últimos não merecem viver, não merecem ter uma chance sequer.

Uma morte após outra, um rosto e em seguida outro, tudo porque vejo na mente desses pobre e infelizes mortais é o seu medo, a sua incompreensão o seu asco perante a minha cor de pele, a minha rigidez, a morbidade estampada em todo o meu ser, como é fácil criar um conceito do que não se conhece ou compreende, você pode possuir algum conceito se não sabe, não experimentou ou mesmo tocou? Isto é preconceito. Sou uma criatura incompreensível e incompreendida, assim o era antes de ter-me tornado um Vampiro, sempre fora sozinho minha vida toda, nunca me compreenderam, nunca notaram minha fraqueza nunca notaram minha fragilidade. Sequer percebiam que por de traz daquela pessoa calorosa e bem humorada havia um ser que precisava ser amado como qualquer outro, alguém que possuía sentimentos e que nunca os conheceu, alguém que possuía e ainda possui uma dor interna indescritível e que muitas e muitas vezes quer gritar, berrar mas pensa, porque? Não me percebem... não irão me notar... como isso é triste mesmo para um monstro.

Sou o filho bastardo, aquele sem pai, a produção independente de uma mulher que quis provar seu valor, sua coragem; e essa mulher também é filha única. Primos, sobrinhos, parentes de qualquer espécie foram-me negados pelos deuses ou quem quer que seja, o destino pode ser o culpado, mas porque? Milênios são passados e eu não compreendo. Amigos, possuía alguns de real valor, que eram meus amigos em todas as horas, mas como nunca amei nunca consegui dar-lhes a atenção merecida, meu sentimento sempre foi confuso, fraco. Hoje choro por eles, choro por não ter-lhes demonstrando o valor real que suas amizades tinham para mim. Também nunca falei para minha mãe o quanto a amava, eu a amava e não sabia, sempre me apresentara seguro e forte, não demonstrava um sentimento. Hoje, que não a tenho sei o que ela valia. Meus amigos também não existem mais e hoje penso se teriam me traído ou se seriam amigos mesmo... não tenho certeza de nada, só tenho certeza que amei e amo mesmo me surpreende cada vez que me recordo dessa nova descoberta antiga.

Mas o passado é dolorido. O presente também o é, mas o futuro não é previsível, mesmo com toda a minha idade não posso prever o futuro, saber o que me aguarda na próxima esquina onde a morte pode me esperar. Será que ela existe realmente? Como deve ser? Essa tal morte será um ser como eu, incompreendido através dos tempos? Não conheço minha dona, sou escravo dessa morte que não conheço pois mato os que cruzam meu caminho. Sou o Senhor da Morte, lenda entre alguns povos por minhas grandes chacinas. Sempre visto onde morriam muitos. O deus da morte, que sátira para minha mente. Se soubessem o quanto sofro por isso, se tivessem noção do que é matar alguém por enxergar-se na mente dessa pessoa.

O tempo passa e eu me pergunto se o maior inimigo que possuo não sou eu mesmo. Como consigo conviver com meus modos? Sou rude, solitário, vazio mas cheio de sentimentos e ressentimentos. A pouco falei de amor, que eu amo alguém ou que um dia eu pude amar. Como soa contraditória essa frase. Não sei o que é o sentimento, como posso dizer que já o possuí?

Mas estou aqui para contar não meus medos, meus receios e meus sentimentos, estou aqui para apresentar a todos vocês o Senhor da Morte, a lenda que não tem vida mas caminha perante a humanidade por decênios. O ser que caminhou antes do nascimento de muitas e muitas crianças, que trouxe a morte para estas. Que acompanhou vidas e as tirou. Um ser que não tem uma explicação que não tem uma consciência mas possuí uma fome incalculável, uma sede de sangue e morte que nenhum outro ser seria capaz de imaginar.

Um ser nascido do nada, alguém que só as marcas de dor profunda do passado deixam uma identidade, mas que também precisam ser esquecidas. E esse alguém sou eu, o Senhor da Morte, que caminha a noite e tira vidas e vidas, que não possuí piedade nem compaixão para os apavorados, mas que sua pior fraqueza seria o amor verdadeiro. Que história idiota essa minha, mas é a verdade. Algo que brota de meu coração e que sinto necessidade de expressar, quem sabe dessa forma, algum dia uma de minhas vítimas olhe nos meus olhos e me identifique e nesse dia... meu sofrimento desmorone.


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